As curvas secundárias às doenças neuromusculares estão agrupadas em um grupo diferente por terem algumas características peculiares. São características desse grupo curvas graves que surgem já em uma fase precoce da vida, rígidas, progressivas (sendo pior a progressão na fase do estirão de crescimento), longas geralmente em forma de “C” que cursam, em sua maioria, com obliquidade pélvica e desequilíbrio sagital.
A SRS divide a escoliose neuromuscular nos seguintes grupos:
Causa neuropáticas:
- Síndrome do neurôno motor superior:
- Paralisia cerebral
- Siringomielia
- Trauma da medula espinhal
- Tumor da medula espinhal
- Degeneração espinocerebelar:
- Ataxia de Friedreich
- Doença de Charcot-Marie-Tooth
- Síndrome de Roussy-Levy
- Lesão do neurônio motor inferior:
- Poliomielite
- Outras mielites virais
- Disautonomia (síndrome de Riley-Day)
- Genética:
- Atrofia muscular espinhal
- Doença de Werdnig-Hoffman
- Doença de Kugelberg-Welander
Causas miopáticas:
- Artrogripose
- Hipotonia congênita
- Miotonia distrófica
- Desproporção de tipos de fibras
- Distrofias musculares:
- Duchenne
- Cintura dos membros
- Fáscio-escápulo-umeral
Uma outra classificação utilizada para as curvas escolióticas neuromusculares é a classificação de Lonstein que diz respeito aos padrões de curvas e obliquidade pélvica. Essa divide as curvas em grupo I, sendo aqueles pacientes com uma dupla curva e pouca obliquidade pélvica e grupo II, sendo as curvas toracolombares com obliquidade pélvica pronunciada (Figura 12). Estes grupos apresentam 2 subgrupos cada conforme esquema abaixo:
Grupo 1: dupla curva e pouca obliquidade pélvica
- Tipo A: curva torácica e lombar com equilíbrio balanceado.
- Tipo B: curva torácica maior com equilíbrio descompensado.
Grupo 2: alta obliquidade pélvica
- Tipo C: a curva não engloba o sacro
- Tipo D: a curva engloba o sacro
Os objetivos do tratamento de um paciente com escoliose neuromuscular também são diferentes do outros grupos. Deve-se ter em mente que a prevenção da piora da curva com perda da capacidade pulmonar é um objetivo primário do tratamento cirúrgico. Outros objetivos são prevenir o aparecimento de zonas de hiperpressão e consequente formação de úlceras, evitar pontos dolorosos como, por exemplo, quando temos o contato do arco costal com a crista ilíaca, otimizar a postura e adaptação para cadeiras e aparelhos próprios e facilitar o manuseio do paciente por parte dos cuidadores.
A indicação clássica seria quando a curva atinge valores entre 50 e 60º porém as decisões devem ser individualizadas uma vez que a avaliação deve incluir todos os fatores explicados nos objetivos do tratamento bem como o risco maior de progressão quando comparada a uma curva idiopática.
Uma outra peculiaridade do tratamento cirúrgico desses padrões de curva é a obliquidade pélvica. Valores de obliquidade acima de 15º são indicativos de abordagem cirúrgica. A pelve, via de regra, deve ser incluída na fusão para que a curva seja corretamente estabilizada. Essa regra deve ser pensada e, muitas vezes, é quebrada nos pacientes deambuladores uma vez que a fusão da pelve à coluna nesses pacientes causam uma limitação importante da marcha. No entanto, essa conduta de não fundir a pelve nesses pacientes não costuma causar problemas para a estabilidade da curva, uma vez que nesses pacientes os padrões de curva neuromusculares são mais brandos assemelhando-se a curvas idiopáticas.
Assim como a fusão deve estender-se distalmente, nas clássicas curvas neuromusculares, proximalmente é comum que a artrodese necessite ser estendido para níveis acima de T4 (T2 ou T3).
A seguir, tentaremos resumir as peculiaridades das doenças mais frequentes que cursam com escoliose neuromuscular.
1 - Paralisia cerebral
O desenvolvimento de escoliose está relacionado com o grau de acometimento neurológico. Dessa forma, os pacientes tetraparéticos não deambuladores apresentam probabilidade muito maior de desenvolver a deformidade do que os pacientes diparéticos ou monoparéticosdeambuladores. Se o paciente apresenta um déficit no desenvolvimento neuropsicomotor grave, sem consequências funcionais ou dor, o tratamento conservador da escoliose com observação pode ser indicado. No entanto se houver o desejo dos já citados objetivos do tratamento como facilidade do cuidador, melhora postural etc, o tratamento cirúrgico deve ser realizado.
2 - Ataxia de Friedrich
Trata-se de uma degeneração cerebelar, de herança recessiva que se inicia entre 6 e 20 anos de idade. As curvas que se iniciam no fim da adolescência e início da vida adulta tem menor probabilidade de progressão. De uma forma geral, pacientes com curvas menores que 40º devem ser observadas, maiores que 60º tratadas cirurgicamente e entre esses 2 valores a decisão deve ser individualizada. A história natural da doença é a restrição à cadeira de rodas na 1ª e 2ª década de vida e morte na 3ª e 4ª década devido cardiopatia. Esta inclusive pode contra-indicar o procedimento cirúrgico corretivo da escoliose, devendo ser avaliado previamente à cirurgia.
3 - Charcot-Marie-Tooth
Trata-se de uma neuropatia desmielinizante de herança autossômica que pode ter outras deformidades como pé cavo e cifose associadas. A órtese é bem tolerada e se houver indicação de cirurgia as técnicas são similares às de correção das curvas idiopáticas.
4 - Siringomielia
Geralmente geram curvas torácicas esquerdas dolorosas. Outros achados do exame físico que auxiliam na suspeita diagnóstica são o pé cavo e a atrofia da musculatura intrínseca da mão e Charcot nas articulações. A confirmação diagnóstica é feita com a RNM. Esta deve incluir a junção craniocervical para afastar síndrome de Arnold-Chiari. O tratamento deve iniciar pela correção cirúrgica da siringomielia. Muitas curvas estabilizam após essa correção. Se ainda assim, ainda houver indicação de correção da curva, deve-se almejar uma correção menos intensa da curva e deve-se evitar distração.
5 - Trauma raquimedular (TRM)
É comum o aparecimento de escoliose em pacientes que sofreram TRM. Em pacientes que sofreram TRM antes da adolescência, 99% dos pacientes desenvolverão a deformidade. As indicações são semelhantes às outras curvas neuromusculares e atenção deve ser dada a uma rápida progressão da curva devendo-se investigar se não houve o aparecimento de siringomielia pós-traumática.
6 - Atrofia muscular espinal
É uma doença autossômica recessiva que cursa com atrofia das células do corno anterior da medula. Pode ser de 3 tipos:
- Tipo I ou doença de Werdnig-Hoffman: é o tipo mais grave inciando-se antes dos primeiros 6 meses de vida e cursando com a morte geralmente aos 2-3 anos de idade por insuficiência respiratória.
- Tipo II: é caracterizada por um período de deterioração aguda seguida por estabilização da doença. Apresenta gravidade intermediária.
- Tipo III ou doença de Kugelberg-Welander: é o tipo mais brando, tendo início geralmente após os 2 anos de idade, apresentando uma progressão mais lenta. A maioria dos pacientes são deambuladores.
A cirurgia costuma ser indicada precocemente (curvas acima de 20º) para evitar a progressão natural da curva.
7 - Distrofia muscular de Duchenne
Trata-se da doença neuromuscular hereditária mais comum. Para cada ano de doença a curva escoliótica, se presente, costuma progredir 10º e esse valor está associado a uma deterioração de 4% da função pulmonar. Por este motivo, a indicação de tratamento cirúrgico é mais precoce (curvas acima de 20º).
Conclusão
A deformidade escoliótica é um dos grandes temas da cirurgia de coluna atual haja vista sua prevalência e impacto sócio-econômico. Dada a importância deste tema, ressalta-se a necessidade de continuar o estudando e evoluindo em busca sempre do seu melhor entendimento, das melhores técnicas e, consequentemente, do melhor tratamento para o paciente.