Na coluna cervical alta, algumas lesões características ocorrem, apresentando evolução e tratamento diferentes e serão analisadas individualmente: fraturas do côndilo occipital, fratura do atlas, luxações C1 – C2, fraturas do dente do áxis (processo odontóide) e fraturas do “enforcado”.
Anatomia e biomecânica
As lesões traumáticas da coluna cervical alta devem ser estudadas separadamente das lesões localizadas no segmento inferior da coluna cervical, pois apresentam características anatômicas e biomecânicas totalmente diferentes entre si. O conjunto formado pelas duas primeiras vértebras cervicais associadas ao occipital tem sido conceituado como unidade cervicocrânio, havendo uma série de lesões, bastante características, que ocorrem exclusivamente nesta região da coluna, justificando-se uma revisão da anatomia e biomecânica desde segmento para uma melhor compreensão das afecções traumáticas que aí podem ocorrer.
Os côndilos occipitais são as partes laterais do osso occipital, este último é constituído de quatro partes, a saber: a basilar, anteriormente, as já citadas laterais ou condilares e uma escamosa, posteriormente. A parte basilar, bastante fina na região foraminal, estende-se anteriormente em formato quadrangular até se unir ao osso esfenoidal, por articulação cartilaginosa que se ossifica por volta dos 25 anos de idade. Os côndilos aproximam-se entre si anteriormente ao forame magno; ínfero-lateralmente estão as superfícies articulares para as facetas do atlas. Na borda medial do côndilo há uma incisura ou tubérculo para a inserção do ligamento alar e, em sua base, encontra-se o canal para o nervo hipoglosso. Póstero-lateralmente aos côndilos há um processo jugular e sua incisura, por onde passam a veia jugular interna e o IX, o X e o XI pares de nervos cranianos.
Articulando-se com os côndilos occipitais está a primeira vértebra cervical, o atlas, que não apresenta corpo vertebral, possui dois arcos um anterior e outro posterior, não há processo espinhoso desenvolvido na união das hemilâminas posteriores, mas um pequeno tubérculo dorsal. Nas massas laterais existem as superfícies articulares superiores em articulação com o osso occipital e as inferiores para com o áxis.Na face medial de cada massa lateral se insere o ligamento transverso que divide o forame delimitado pelos arcos e massas laterais em dois segmentos: o anterior, no qual se localiza o dente do áxis, e o posterior, no qual passa a medula. Articula-se com o áxis a Segunda vértebra cervical, através de sua faceta articular inferior.
O áxis apresenta lâmina, pedículo, processo espinhoso, processos transversos e forames tal qual as demais vértebras cervicais, com algumas diferenças quanto às proporções destas mesmas estruturas. Observa-se, no entanto, sobre seu corpo, o processo odontóide ou dente do áxis, literalmente o pivô da articulação atlantoaxial. Nesta articulação se dá aproximadamente 50% do movimento de rotação da cabeça.
Os movimentos possíveis no segmento occipipto-atlantoaxial são estabilizados por um conjunto de ligamentos e pela membrana tectorial. A membrana tectorial, o ligamento nucal, o ligamento longitudinal posterior e o ligamento cruciforme conferem estabilidade regional ao movimento de flexão da porção superior da coluna cervical. A estabilidade aos movimentos de rotação e inclinação lateral é conferida pelos ligamentos alares. A rotação da cabeça para a direita é limitada pelo ligamento alar esquerdo e vice-versa, conforme esclarecem Dvorak e Panjabi, e, durante a inclinação da cabeça para um lado, a porção occipital do ligamento alar do mesmo lado está relaxada e a porção mais próxima ao atlas está estirada. O atlas move-se na mesma direção da inclinação, porém não se observa sua rotação. O movimento de extensão de parte superior da coluna cervical é limitado principalmente pela porção transversa dos ligamentos alares. Quando se adiciona ao movimento de rotação da cabeça o movimento de flexão, há estiramento máximo dos ligamentos alares, com maior vulnerabilidade de lesão.(figuras 1,2,3,4).
Incidência
Em revisão da literatura, podem-se observar pontos comuns nas histórias naturais das fraturas de coluna cervical alta, tais como mecanismo de trauma, sexo, faixa etária acometida, tipos de fratura, métodos diagnósticos, tratamento, comprometimento de estruturas vizinhas e evolução após o tratamento.
Em geral, este tipo de fratura é causado por acidentes envolvendo traumas de grande energia, tais como acidentes automobilísticos, na grande maioria dos casos e acidentes ocorridos na prática esportiva. Em função dos próprios tipos de fatores causais, mormente são acometidos os indivíduos jovens, na segunda e terceira décadas de vida, principalmente os do sexo masculino.
Fraturas do côndilo occipital
Classificação
As fraturas do côndilo occipital classificam-se, conforme proposta de Anderson e Montesano em publicação do ano de 1988, segundo a anatomia regional, a biomecânica das estruturas envolvidas e suas morfologias (fig.5).
Apresentam-se três grupos de fraturas de côndilo occipital. Em um primeiro grupo (tipo I), observa-se fratura impactada do côndilo occipital, tendo como mecanismos de trauma a carga axial do crânio sobre o atlas. Nesta há comunicação do côndilo occipital sem ou com mínimo desvio dos fragmentos em direção do forame magno. A membrana tectorial encontra-se intacta, bem como o ligamento alar contralateral à fratura, garantindo sua estabilidade. Em um segundo grupo (tipo II), tem-se a fratura do côndilo occipital como parte de uma fratura da base do crânio que se apresenta com traço em direção ao forame magno. É fratura causada por trauma direto regional e é estável em função da integridade dos ligamentos alares e da membrana tectorial. O terceiro grupo (tipo III) traz a fratura-avulsão do côndilo occipital pelo ligamento alar, causada por rotação ou inclinação lateral da cabeça ou pela associação dos dois movimentos. Neste caso, devido à lesão do ligamento alar contralateral e da membrana tectorial, observa-se uma lesão potencialmente instável.
Diagnóstico
As fraturas de côndilo occipital são de difícil diagnóstico, dada a inespecificidade de seu quadro clínico. É extremamente difícil a sua visualização com as técnicas radiográficas convencionais, sendo necessária a utilização de métodos de diagnóstico por imagem mais sofisticados para seu reconhecimento. Entre estes métodos destaca-se a TC, sendo que esta permite a reconstrução das imagens nos planos sagital e coronal, bem como a reconstrução tridimensional.
Cabe ressaltar que, devido à necessidade de exames específicos para o diagnóstico destas fraturas, muitas vezes elas passam despercebidas, apresentando, o paciente, quadro de dor persistente na região cervical posterior, acompanhado de espasmo muscular por longo período sem que se suspeite da existência da lesão. Outra situação bastante comum é o diagnóstico destas fraturas como achado de exames para verificação de quaisquer outras lesões do segmento craniocervical, como fratura do processo odontóide, fratura da base do crânio e outros. GOLDSTEIN, S.J.; WOODRING, J.H.; YOUNG, A.B. Occipital condyle fracture associated with cervical spine injury. Surg. Neurol., v. 17, pp. 350-352, 1982.
A transição occipitocervical deve ser avaliada com extrema atenção, especialmente nos pacientes que apresentam traumatismos de face e crânio associados (Figura 6).
Tratamento
O tratamento conservador das fraturas do côndilo occipital evolui com bons resultados, ficando o paciente livre de dor cervical, mantendo o arco total de movimento do segmento envolvido, em média após três meses de tratamento. Preconiza-se o uso do colar tipo Philadelphia para os casos classificados como tipo I ou II de Anderson e Montesano e uma imobilização mais rígida, como halogesso ou gesso tipo Minerva para as fraturas classificadas como tipo III (figura 7).
As lesões dos pares cranianos devem ser tratadas com corticoterapia inicial e, com esta, associada à imobilização, observa-se recuperação espontânea da função destes nervos em alguns dias, caracterizando neuropraxia dos mesmos.
Fratura do atlas
Uma compressão axial (vertical) do crânio sobre o atlas força-o sobre o áxis, determinando a sua ruptura nos pontos mais fracos, que são os arcos anterior e posterior, com conseqüente afastamento das massas laterais, o que constitui a denominada fratura de Jefferson.
Podem aparecer também fraturas isoladas do arco posterior, que são consideradas resultantes da compressão vertical sobre a cabeça em extensão.
Raramente as fraturas do atlas apresentarão déficit neurológico devido ao amplo diâmetro do canal nesta região e ao fato de as fraturas de C1 geralmente promovem um aumento do canal, a não ser quando associada à fratura do dente de C2 ou a lesão do ligamento transverso.
A pressão exercida sobre o atlas pode não só determinar a fratura dos arcos como também a ruptura do ligamento transverso, que é a principal estrutura a assegurar a estabilidade anterior dessa vértebra, impedindo o seu escorregamento sobre o áxis (figura 8).
Nas fraturas de Jefferson é fundamental para o prognóstico saber se houve ou não a ruptura do ligamento transverso.
Nas radiografias de frente o diagnóstico feito pela observação da articulação C1 – C2. Normalmente deve haver continuidade da linha vertical traçada sobre as margens laterais das massas laterais do atlas, e dos maciços articulares do áxis; quando há fratura dos arcos anterior e posterior do atlas, essa continuidade desaparece devido ao afastamento das massas laterais.
Resta saber até quando o afastamento é compatível com a integridade do ligamento transverso. Estudos experimentais em cadáveres demonstram que, se o afastamento for maior do que 7mm, houve ruptura do ligamento (Figura 9).
Se ocorrer ruptura haverá instabilidade C1 – C2 que permanecerá mesmo após a consolidação das fraturas dos arcos, o que facilitará a ocorrência de luxação C1 – C2, mesmo com pequenos traumatismos (Figura 10).
O tratamento indicado na fratura de Jefferson é a redução por tração craniana e a imobilização por 3 a 4 meses (figura 11).
Nos casos em que houver ruptura do ligamento transverso será necessária a artrodese atlanto-axial, que poderá ser obtida após redução e imobilização inicial em halo craniano com tração, uma vez obtida estabilização da fratura pode-se passar para halo-gesso até que a fratura esteja consolidada. Após consolidação de C1, realiza-se a artodese C1-C2 para prevenir instabilidade secundária à lesão do ligamento transverso. Outra opção de tratamento seria realizar uma artrodese occipitocervical imediata, o que abrevia o tratamento, mas condiciona limitação da rotação e também da flexão (figura12).
Por vezes, o estudo radiográfico rotineiro da fratura de Jefferson apenas revela a fratura do arco posterior, só aparecendo a do arco anterior na TC.
Luxação occipício-atlas-áxis
As luxações entre o occipital e o atlas com sobrevida dos pacientes são excepcionais. Não temos experiência pessoal na observação desses casos e são raríssimos os relatos na literatura.
As luxações C1 – C2 puras, isto é, sem fratura do dente do áxis, também são raras porque só são possíveis por um violento mecanismo de flexão com ruptura do ligamento transverso, havendo projeção do dente do áxis para o canal neural, com traumatismo medular geralmente incompatível com a vida.
As subluxações mais freqüentes ocorrem usualmente devido à uma instabilidade já existente, como nas displasias do dente do áxis, artrite reumatóide, etc.
Fielding determinou bases radiográficas para o diagnóstico da luxação C1 – C2 que pode ser feita especialmente na projeção de perfil, quando a distância entre a margem posterior do arco anterior do atlas e a margem anterior do dente do áxis for maior do que 3mm no adulto e 5mm na criança, havendo dúvida é interessante fazer radiografias na incidência de perfil em flexão e extensão, quando normalmente não deverá haver diferença significativa da distância referida; neste estudo dinâmico, especialmente quando há suspeita de luxação, não esquecer os cuidados já anteriormente referidos. Nas projeções ântero-posteriores não aparecerão as fendas articulares entre as massas laterais do atlas e as facetas superiores do áxis, devido à superposição das mesmas.
Na luxação C1 – C2 não levamos em consideração o tratamento incruento; o tratamento será sempre cirúrgico, quando após a redução é realizado procedimento para artrodese de C1-C2, que pode ser com técnica de amarrilho metálica e artrodese entre os arcos posteriores de C1 – C2, conforme preconizavam autores como Gallie e Brooks, ou mais recentemente podemos lançar mão de técnicas com parafuso, de forma tranaricular como Magerl, nas massas laterais de C1 e pedículos de C2, técnica de Harms, ou ainda, parafusos nas masas laterais de C1 e intralaminares em C2, técnica de Wright (figuras 13,14,15,16 e 17).
Fraturas do dente do áxis
As fraturas do dente do áxis podem ou não apresentar desvio.
O seu mecanismo é pouco claro. Os estudos biomecânicos sugerem que ocorram por forças de cisalhamento.
Se houver componente de hiperflexão pode ocorrer desvio anterior, quando existirá também deslocamento anterior do atlas, lesão denominada fratura-luxação C1 – C2, nesse caso a integridade medular geralmente é preservada com maior probabilidade de sobrevida do que a luxação pura.
Se o mecanismo for a hiperextensão poderá haver desvio posterior.
No estudo radiográfico, nas fraturas sem desvio, seja na projeção ântero-posterior, seja na de perfil, apenas se verá o traço de fratura do dente do áxis, e nas fraturas com desvio será vista a fratura com desvio do fragmento distal e o escorregamento do atlas. Nas fraturas sem desvio por vezes é muito difícil que se veja o traço de fratura, só sendo possível o diagnóstico pela tomografia.
Ainda quanto ao diagnóstico radiológico das fraturas sem desvio deve-se acrescentar que carece haver cuidado especial com as crianças, quando ainda não ocorreu ossificação completa da vértebra.Radiologicamente, na criança, o dente e o corpo do áxis estão separados por uma faixa de tecido transparente ao raio X, que progressivamente vai estreitando, até desaparecer aos 10-11 anos, quando o dente e o corpo do áxis se fundem, o que raramente não se completa em idades maiores. A não fusão do dente do áxis pode simular uma fratura sem desvio. Os pacientes com fratura do dente do áxis freqüentemente têm queixas pobres, apenas de cervicalgia pouco intensa e certa dificuldade para a movimentação do pescoço, não raramente procurando tratamento vários dias depois do acidente. Algumas vezes procuram tratamento referindo dor violenta, grande dificuldade à movimentação e suportando a cabeça com as mãos. Sinais neurológicos só aparecem numa pequena minoria (Figuras 18,19 e 20).
É importante para o prognóstico observar-se a localização da fratura. Anderson e D‘Alonso elaboraram uma classificação relacionando a altura do traço com o prognóstico (figura 21).
Tipo I – fratura do ápice do dente do áxis
Tipo II – fratura da base do dente do áxis
Tipo III – fratura atingindo o corpo do áxis
As fraturas do tipo I não apresentam problemas quanto à consolidação, as do tipo III costumam consolidar bem e as do tipo II são as de mais difícil consolidação.
Outros fatores de risco para a não consolidação destas fraturas são: idade maior de 65a, tabagismo, fratura cominuta, desvio posterior e grande afastamento dos fragmentos ósseos (maior do que 5 mm), além de angulação maior do que 10 graus.
A incidência de não união para fraturas do tipo II varia de 10 a 60% na literatura, muito provavelmente em função da personalidade de cada fratura.
O tratamento consiste na redução, que é feita geralmente por tração e imobilização, que no tipo II deverá ir até 4-5 meses e, freqüentemente, mais.
As fraturas tipo II devem ser avaliadas quanto à possibilidade de pseudoartrose e comorbidades do uso prolongado de gesso minerva, sendo indicado em casos selecionados o tratamento com redução incruenta com halo-tração, associado à fixação interna com parafuso canulado entre o corpo e o dente de C2 por via cervical anterior, técnica de Nakanishi, difundida por Bohler evitando-se dessa forma a artrodese C1-C2 e permitindo a manutenção da rotação de C1-C2 (figura 22).
Se não houver consolidação óssea ou união fibrosa estável, está indicada a artrodese C1 – C2, a despeito do alto custo funcional que o paciente enfrentará com a perda significativa da rotação cervical. Vale salientar que as fraturas da coluna cervical, freqüentemente, coexistem com traumatismos cranianos com perda da consciência, sendo indispensável o seu exame radiológico na vigência desses últimos traumatismos. Também nos traumatismos graves da face, devido à sua magnitude, não é raro que passem despercebidas lesões de C1 – C2 que, como foi referido, por vezes determinam sintomatologia pobre. Nesses casos, também, a coluna cervical sempre deve ser radiografada. Lesões associadas podem determinar técnicas diferentes para artrodese C1-C2, por exemplo a fratura do arco posterior de C1 impossibilita técnicas de amarrilho posterior.As possibilidades de artrodese C1-C2 são: amarrilhos como Gallie e Brooks propuseram, o parafuso transarticular segundo estudo de Magerl, parafuso massa lateral de C1 e pedicular em C2 em conformidade com Harms, ou ainda, parafuso em massa lateral de C1 e intralaminar em C2 de acordo com técnica de Wright (figuras 13,14,15,16 e 17).
Fratura do enforcado
Diferentes mecanismos podem gerar esse padrão de fratura que erroneamente é considerado como fratura do enforcado de forma genérica para toda fratura pedicular de C2, isso se deve a similaridade radiológica dessas fraturas. Vale lembrar que esta equiparação classificatória é prejudicial para compreensão da magnitude das lesões associadas e planejamento de tratamento, visto que suas características clínicas e prognósticos são diferentes.
A anatomia não usual de C2 explica a particularidade desta fratura, pois o istmo alongado e fino de C2 acaba cedendo as forças traumáticas que são em geral melhor absorvidas pelo grande corpo de C2, potentes ligamentos posteriores e fortes músculos aderidos ao processo espinhoso largo e bífido. Entretanto a fratura pode apresentar desde mecanismo de extensão-distração, como no enforcamento judicial, esta clássica descrição de 1866 de Haughton sobre o padrão de lesão gerado pelo nó submentoniano foi corroborado pelo estudo de Wood-Jones, que sugeriu este posicionamento como o mais capaz de ser fatal dentre as diferentes posições em que o nó poderia se apresentar. Outros mecanismos mais freqüentes são: compressão axial, distrações e flexão, conforme observado em acidentes automotivos.
Essa fratura, apesar do grande escorregamento de C2 sobre C3 que freqüentemente aparece, muito raramente condiciona lesão medular, porque ela, ao contrário de produzir um estreitamento do canal espinhal, leva a um alargamento do mesmo. (Figura 23).
A classificação mais utilizada é a de Levine e Edwards, que avalia a fratura quanto ao escorregamento de C2 sobre C3 e sua angulação, sugerindo mecanismos de trauma e gravidade da fratura, apontando desta forma propostas terapêuticas (figura 24).
- Tipo I: fraturas sem desvio, ausência de angulação e translação menor que 3mm.Provável mecanismo d trauma deve-se a uma hiperextensão e compressão axial.Fratura dos pedículos sem acometer disco e ligamentos, traduzindo uma fratura estável, passível de tratamento conservador com colar Philadélfia.
- Tipo II: fraturas com importante angulação e translação.Provável mecanismo de trauma em duas fases, sendo a primeira semelhante ao tipo I, seguida de flexão anterior e compressão.Fratura dos pedículos com lesão de disco e ligamento anterior associado, somado a lesão do ligamento longitudinal posterior e cápsulas articulares, tratamento necessita usualmente de redução com Halo Craniano, e, uma vez mantida a redução, pode-se passar para halovest ou gesso minerva.
- Tipo IIA: Leve ou nenhuma translação e angulação grave.Provável mecanismo de trauma flexo-distração. Fratura dos elementos posteriores que avança em direção anterior podendo acometer até o ligamento longitudinal anterior,gerando grande instabilidade, fundamental atentar para esta lesão ligamentar extensa que contra-indica o uso de tração com halo. A redução deve ser realizada halo-colete aplicando-se leve compressão e extensão cervical.
- Tipo III: Grave angulação e desvio bem como luxações facetarias uni ou bilaterais concomitantes ao nível de C2-C3.provável mecanismo de compressão e flexão.Tratamento cirúrgico é quase sempre mandatório devido a dificuldade de redução da luxação facetaria, ou devido a instabilidade de se manter essa redução.
O tratamento usualmente consiste na redução e imobilização, a depender das particularidades de cada caso, como mencionado acima. A sua redução por tração se consegue geralmente com facilidade, ao que deverá seguir imobilização com aparelho gessado do tipo Minerva por cerca de 3 meses. Quando não há desvio ou este é muito discreto, pode ser feita a imobilização de imediato sem redução.
Alguns autores preconizam a artrodese com freqüência nessas fraturas, o que, a nosso ver, só está indicada na ausência de consolidação, o que é raro, uma vez que a taxa de não consolidação com tratamento conservador é de 5%.
Coluna cervical baixa, torácica e lombar
Anatomia e biomecânica
As vértebras cervicais subaxiais caracterizam-se por seu corpo pequeno, canal medular triangular, processos transversos com forames por onde passa a artéria vertebral, pedículos lateralizados e processos espinhosos bífidos. A orientação facetaria se dá no plano axial, como as telhas no telhado, montadas uma sobre as outras, permitindo os movimentos de rotação e inclinação lateral da cabeça.(figura 25)
As vértebras torácicas iniciam com corpos pequenos e triangulares e vão aumentando de tamanho na medida em se aproximam da coluna lombar, apresentam articulações costocondrais para receber as costelas. A orientação facetaria se dá no plano coronal, permitindo facilmente os movimentos de rotação e inclinação lateral. (figura 26)
As vértebras lombares apresentam corpos vertebrais grandes, processos espinhosos curtos. A orientação facetaria se dá no plano sagital facilitando os movimentos de flexão e extensão do tronco. (figura 27)
A coluna tem as seguintes funções:proteção da medula espinhal, pilar de sustentação do esqueleto axial e mobilidade em três planos. (figura28)
O centro de carga está anterior à coluna, levando a uma tendência de flexão e compressão. A distribuição ocorre 80% na região do corpo e 20% nas estruturas posteriores. (figura 29).
Podemos comparar a coluna com a estrutura de um guindaste. Assim como o guindaste a coluna apresenta um pilar de sustentação (os corpos), a carga anterior ao pilar e um tirante posterior (ligamentos e músculos paravertebrais) (Figura 30).
A estrutura anterior suporta a forças de compressão e as estruturas posteriores a forças de distração. Portanto, a coluna anterior funciona como uma estrutura distratora e a posterior (contração muscular) como compressora (Figura 31).
Como princípio de tratamento, as falhas da coluna anterior pedem correção estrutural anterior. Esta correção pode ser feita através de imobilizações ou através de cirurgias, dependendo da gravidade da fratura e se existe ou não déficit neurológico.
Quando tivermos uma fratura do corpo vertebral não associada à lesões posteriores e que não tenha um grande comprometimento estrutural ( grande perda de altura do corpo) podemos optar por tratamento com colete gessado em extensão da coluna. O colete permite que a fratura consolide e que seja refeito o pilar anterior.
Se houver uma lesão maior que compromete a resistência do corpo, ou se a parte posterior da coluna estiver envolvida (lesão anterior e posterior), há necessidade de estabilização cirúrgica, restabelecendo a curvatura normal e altura do corpo, através de uso de estruturas de sustentação, que podem ser do próprio paciente, como enxerto cortical do osso ilíaco, ou associação com hastes, placas ou gaiolas metálicas.(figura 32)
Apesar de parecer complicada a indicação do tratamento, a lembrança dos princípios de biomecânica torna a indicação mais simples. Lesão grave anterior funciona como um guindaste que perdeu o pilar principal e deve ser corrigida cirurgicamente. (Figura 33)
Felizmente, após restabelecer a anatomia normal, por via cirúrgica ou através de imobilizações o processo de consolidação acaba por reconstituir a integridade mecânica. A lesão óssea ou ligamentar posterior também deve ser corrigida, evitando assim a falha mecânica. (Figura 34)
Fraturas e luxações da coluna cervical baixa
Introdução
As fraturas e luxações da coluna cervical baixa constituem-se os maiores responsáveis por TRM, acometendo uma parcela jovem e economicamente ativa, o que traduz um alto custo para a sociedade.
O pronto reconhecimento e tratamento precoce destas lesões associado a centros especializados para TRM tem diminuído as comorbidades e mortlidade desta enfermidade.
O tratamento inicial visa à estabilização do paciente e prevenção de lesões secundárias, conforme orientação do Colégio Americano de Cirurgiões (ATLS).
A fratura deve ser estabilizada provisoriamente até que o paciente seja avaliado e não esteja mais em risco de vida. A fratura pode apresentar quadro neurológico normal, quando as funções neurológicas abaixo da lesão estiverem normais, lesão completa quando nenhuma atividade estiver presente abaixo da lesão, ou incompleto quando alguma atividade estiver presente.
Deve-se atentar à possibilidade do paciente estar em choque medular, que se traduz numa parada fisiológica da função medular, não sendo possível neste momento determinar a extensão da lesão neurológica, e deve-se aguardar a resolução do quadro que geralmente ocorre em 24 horas, evidenciada pelo retorno do reflexo bulbocavernoso.
O paciente com TRM que for atendido nas 8 primeiras horas do acidente deve receber corticoterapia conforme a determinação do NASCISIII, salvo os casos que apresentarem contraindicação.
As lesões instáveis da coluna cervical devem ser estabilizadas com halo craniano tão logo isto seja possível, se houver luxação associada, podemos tentar reduzi-la com tração exercida no halo craniano.
Após instalado o halo, inicia-se a tração, em posição de repouso. O peso inicial deverá ser de 4 a 8 Kg, dependendo do peso do paciente, devendo a cama ser colocada em proclive, funcionando como contração.
A cada 15-30 minutos é feito controle radiológico, naturalmente em perfil, aumentando-se a tração até ser conseguido o redução dos processos articulares. Neste momento faz-se discreta flexão, a fim de que os ápices dos processos articulares inferiores de vértebra suprajacente passem para trás das superiores da vértebra infrajacente. Uma vez obtido, faz-se a extensão da coluna cervical através da colocação de um coxim sob os ombros do paciente. Após a redução, reduzimos a tração para 4 ou 5 Kg, com finalidade de manutenção da mesma.
Nos casos de luxações unilaterais a redução é mais difícil e geralmente, para ser obtida, há necessidade de se colocar a tração excentricamente, deslocada para o lado da inversão.
Contra-indicamos a redução por manipulação sob anestesia geral, por ser um método extremamente perigoso; mesmo usando a tração progressiva há que ter cuidados, iniciando-se com pequenos pesos, levando em conta o desenvolvimento muscular do paciente e o quadro radiológico, pois nos casos de pacientes com pouca musculatura e luxação bilateral é possível haver distração e estiramento medular.
Devido à freqüência da instabilidade resultante das luxações e para evitar a incômoda imobilização, está indicada estabilização cirúrgica através de amarrilhos sublaminares ou interespinhosa, fixação com parafusos de massa lateral ou pediculares, ou ainda, fixação anterior com placas e enxertos estruturados ou “cages”.
Avaliação radiográfica da coluna cervical
Na avaliação radiográfica da coluna cervical é possível detectar mais de 90% das lesões, sendo que a maior parte das lesões que passam despercebidas encontram-se no paciente com rebaixamento do nível de consciência, onde o exame físico é prejudicado pela condição clinica do paciente.
Deve-se realizar radiografias em ântero-posterior, perfil e transoral. A visualização da transição C7-T1 é obrigatória, e quando não for possível deve-se realizar incidências especiais, como tração dos mmss, ou incidência do nadador, sendo a TC reservada para os casos em que nem essas posições forem possíveis.
A avaliação da estabilidade da coluna vertebral após trauma é fundamental para que o tratamento possa ser conduzido da maneira correta. A definição de White e Panjabi amplamente aceita diz que a perda da capacidade da coluna vertebral, sob cargas fisiológicas, de manter seu padrão de deslocamento, de forma que não haja déficit neurológico inicial ou adicional, deformidade importante e sem dor incapacitante, costitue uma coluna instável.
Seguindo o estudo biomecânico de White e Panjabi temos que a coluna cervical encontra-se instável quando apresentar 3,5mm de translação de uma vértebra sobre a outra, ou quando apresentar mais de 11o de angulação entre dois corpos vertebrais. Estes parâmetros deflagraram acometimento medular em estudos submetidos em cadáveres.
Outros sinais de instabilidade são: aumento do espaço discal maior de 1,7mm (lesão complexo disco-ligamentar anterior), fratura do processo espinhoso (lesão ligamentar posterior), alargamento espaço articular facetário (lesão capsular), desalinhamento dos processos espinhosos no AP, e outros.
Quando a radiografia for normal e o paciente estiver consciente e sem déficit neurológico, apresentando dor cervical, pode-se realizar avaliação de radiografia com stress ou dinâmica sob a supervisão médica, e com paralisação desta avaliação caso o paciente apresente dor insustentável ou surgimento de alteração neurológica. A distração do espaço discal na Rx stress, ou a alteração da angulação ou translação entre duas vértebras no Rx dinâmico de flexo-extensão, determinam lesões ligamentares graves que necessitam de estabilização cirúrgica.(figura 35)
- Aumento da angulação entre os processos espinhosos adjacentes de 11 graus
- Translação anterior ou posterior dos corpos vertebrais de 3,5 mm
- Aumento do espaço intervertebral, na incidência lateral
- Alargamento da articulação interfacetária
- Mau alinhamento dos processos espinhosos na incidência anterior
- Rotação das facetas na incidência lateral
- Inclinação lateral do corpo vertebral na incidência anterior
Classificação e tratamento
Classicamente utiliza-se a classificação de Allen, onde basicamente, as lesões podem ser divididas em seis tipos: compressão-flexão, compressão vertical, distração-flexão, compressão-extensão, distração-extensão e flexão lateral. Esta classificação permite uma boa compreensão do mecanismo de trauma, porém torna a avaliação quanto a instabilidade coluna trabalhosa, tendo que se avaliar caso a caso.
Recentemente a classificação de Magerl, utilizada pelo grupo AO/ASIF, tem ganhado popularidade devido à sistematização e escala gradativa das lesões apresentadas. Ela leva em consideração o mecanismo de trauma e o grau de acometimento das estruturas anteriores (corpo) e posteriores (pedículos, facetas, lâminas e ligamentos posteriores). Esta classificação ajuda a orientar a abordagem cirúrgica de acordo com os princípios de biomecânica, apresentados no início deste capítulo. Temos três tipos básicos de fratura, com algumas divisões. Por motivos didáticos, vamos somente falar dos três grupos genéricos, o que dará uma idéia geral da indicação cirúrgica.
O principio da filosofia do grupo AO é a de realizar fixação interna segura a fim de promover de forma segura o mais rápido possível a reabilitação do paciente, visando retorno precoce a mobilidade e função. Os objetivos dessa terapêutica são: restauração da anatomia, estabilização da fratura, preservação do suprimento sanguíneo e mobilização precoce do paciente, levando em consideração o grau de lesão do invólucro de partes moles e as condições fisiológicas do paciente, bem como as particularidades de cada fratura.
As fraturas cervicais sub-axiais, torácicas e lombares são classificadas de forma semelhante. A fratura de coluna recebe o número cinco como identificação desta região anatômica, sendo dividida em três grupos: 1- cervical, 2- torácico e 3- lombar. Cada grupo receberá uma letra conforme o padrão básico de lesão, sendo: A- lesões por compressão do corpo vertebral, B- lesões por distração dos elemento anterior e/ou posteriores, e C- lesões do tipo A ou B associadas a mecanismo de rotação ou fx-luxação complexa. (figura 36)
Temos três tipos de fraturas, classificados como A, B e C.
A fratura do tipo A envolve traumas em compressão, acometendo somente as estruturas anteriores (corpo), podendo ser tratada com colete gessado em extensão na maioria dos casos.
A fratura do tipo B envolve traumas em distração, levando a uma lesão anterior associada a lesões posteriores, sendo cirúrgica na maioria dos casos, necessitando estabilização anterior e posterior. É possível a obtenção de estabilidade anterior através de acesso posterior isolado, ou com dupla via de acesso.
A fratura do tipo C envolve as duas colunas e está associada a um mecanismo rotacional, aumentando muito a instabilidade e a incidência de lesão neurológica, necessitando estabilização anterior e posterior.
Quando não houver déficit neurológico, é possível optar por tratamento conservador nas fraturas do Tipo A e algumas do tipo B. Porém, na vigência de déficit neurológico grave, é indicação absoluta a estabilização cirúrgica da fratura, evitando novas lesões e permitindo a mobilização precoce do paciente.
O tratamento conservador é feito com imobilização com colar ou gesso-minerva.
As fraturas cirúgicas da região cervical são estabilizadas com amarrilhos, placas e parafusos, sempre associados à enxertia óssea para facilitar a artrodese. O uso de estabilização anterior e/ou posterior depende do tipo de fratura.(figuras 37, 38, 39)
Fraturas torácicas, toraco-lombares e lombares
As fraturas torácicas e toraco-lombares podem apresentar lesão medular, como as fraturas cervicais baixa, uma vez que a medula se estende até L1 na maioria das pessoas.
As fraturas torácicas usualmente são ocasionadas por traumas de alta energia, posto que a coluna torácica é extremamente estável devido à presença do gradeado costal, dessa forma temos que estas fraturas usualmente evoluem com lesão neurológica grave associada.
As fraturas da transição toraco-lombar são as mais prevalentes dessas fraturas, devido a maior instabilidade e maior stress mecânico que ocorre nesta região, decorrente da transição de um segmento estável (torácico) para um segmento mais dinâmico (lombar).
As fraturas lombares constituem um desafio ao tratamento devido à intensa mobilidade deste segmento, o que muitas vezes irá se traduzir em déficit funcional mecânico, dificuldade adaptativa no pós-operatório e stress sobre material de síntese.
Avaliação radiográfica da coluna toraco-lombar
Algumas alterações podem ser avaliadas na radiografia do paciente com trauma toraco-lombar que evidenciam instabilidade da coluna e nos orientam quanto ao tratamento definitivo.
O alargamento do espaço interpedicular no Rx ântero-posterior indica fratura tipo A com encunhamento significativo do corpo. O aumento do espaço entre os procesos espinhosos no Rx em perfil no segmento fraturado indica fratura tipo B, devido à lesão ligamentar presente.
Estudos biomecânicos em cadáver indicam que achatamento maior do que 50% do corpo vertebral, translação maior que 3,5mm e cifotização maior que 300, geram instabilidade nesse segmento. Na região lombar devido à lordose fisiológica, temos que angulações menores representam instabilidade, alguns autores consideram que a cifotização de 100 nesse segmento já é representativa de instabilidade.
Devemos lembrar que as alterações neurológicas também devem ser levadas em consideração na avaliação de instabilidade, uma vez que progressão ou surgimento de défict neurológico são indicação de estabilização cirúrgica, sendo que a descompressão do canal constitui tópico discutível, que deverá ser avaliado caso a caso.
Classificação e tratamento
Utilizamos a mesma classificação proposta por Magerl, e utilizada pelo grupo AO, que divide as fraturas como mencionado anteriormente nesse texto em fraturas por compressão, fraturas por distração, ou mecanismos rotacionais combinados.
O tratamento seguirá o mesmo raciocínio discutido anteriormente, dependendo de quais estruturas estiverem lesadas. Particularidades da região toraco-lombar e lombar determinarão abordagens especificas caso a caso.(figuras 40, 41, 42 3, 44, 45)